Prefeitura de Petrópolis e planejamento de transportes: contribuição para um programa socialista* Eduardo Andrade e Jorge Borges |
Pressupostos Políticos Antes de tratar do diagnóstico e das propostas para o campo do planejamento de transportes, cabe expôr, resumidamente, sobre qual base política eles estão embasados. Entende-se que a luta de classes existente na nossa sociedade tem seu reflexo no município. De um lado está o capital: bancos, empreiteiras, especuladores urbanos, empresários do transporte, entre outros. Do outro estão os trabalhadores. As recomendações contidas nesse artigo, em consonância com o programa partidário, apontam para o enfrentamento entre essas partes, ou seja, entende-se que uma prefeitura do PSOL deve se aliar aos movimentos sociais e trabalhadores em geral para lutar contra a grande burguesia. Outro importante princípio que essa contribuição está baseada é a defesa do ecossocialismo. Entende-se que o aprofundamento da crise ambiental gerada pelo modo capitalista de produção trará graves conseqüências para a humanidade, principalmente para os mais pobres. É tarefa dos socialistas incorporar as lutas ambientais como tema transversal. No atual contexto urbano nacional e internacional, no que concerne ao planejamento de transportes, o foco das preocupações sócio-ambientais é a poluição gerada pelos veículos, principalmente pelo automóvel particular. Os princípios da luta de classes e da defesa do ecossocialismo estão presentes nas propostas aqui apresentadas, uma vez que a sua aplicação promoveria tanto a democratização da mobilidade em detrimento dos interesses empresariais, como a utilização do transporte público em detrimento do uso do veículo particular. Diagnóstico A cidade de Petrópolis, durante muitos anos, não vê uma única iniciativa no que diz respeito ao planejamento territorial e de transportes. O nosso Plano Diretor nunca foi implementado, ou seja, temos uma Prefeitura que não sabe o que é planejamento de médio e longo prazo. Além disso, não vemos nenhum empenho por uma política habitacional universalizante e a mobilidade da população está entregue a grandes empresários que só pensam em seu próprio lucro. Ao longo dos vários governos que passaram, o que se percebe é uma escolha clara de privilegiar o capital em detrimento dos trabalhadores. Os prejuízos não são poucos e são facilmente percebidos. A desordem urbana (ou ordem urbana neo-liberal) foi pouco a pouco instaurada e coloca-nos o desafio de pensar e agir numa Cidade cruelmente marcada por décadas de governantes representantes do grande capital. O planejamento territorial, como dito, praticamente inexiste. A concentração de empregos e a dispersão das habitações geram ainda mais necessidades de deslocamento. Analisando o plano habitacional, percebe-se que, como sempre, são os mais pobres que sofrem mais. São eles que são obrigados a procurar favelas ou regiões periféricas e com pouca infra-estrutura para morar. Em relação ao sistema de transportes podemos destacar algumas características: congestionamentos constantes e crescentes; sistema de ônibus caro, desconfortável e ineficiente; aumento da poluição atmosférica e sonora; perda de tempo e baixa da qualidade de vida. Por outro lado, vemos os assombrosos e indecentes lucros dos empresários de ônibus. Propostas Uma prefeitura deve se comprometer em prover mobilidade para a população e democratizar, assim, o acesso à Cidade. O ponto inicial é compreender a demanda por transportes como algo não natural, sem causa e sem lógicas específicas. Ela é fruto da forma como a Cidade se organiza. Assim, a primeira solução é rever toda a estrutura urbana. Deve haver uma efetiva política habitacional universalizante baseada na macro-estrutura de transportes. Nela, deve-se privilegiar a construção de novas residências em terrenos e prédios vazios ou sub-utilizados em áreas já infraestruturadas, como o Centro e os locais próximos das estações de trem e metrô. Além disso, deve-se descentralizar os empregos na cidade, valorizando e incentivando sub-centros regionais através de estímulos ao comércio e com a construção de novos equipamentos públicos na periferia. Deve haver uma reformulação total do sistema de ônibus municipais, tanto no que diz respeito à gestão, como à distribuição de linhas. É necessário que a Prefeitura volte a ter controle desse sistema, colocando fim às permissões ilegais. O enfrentamento com os interesses da SETRANSPETRO é inevitável. As linhas devem ser operadas ou por empresa pública ou através de licitações transparentes e lícitas. No segundo caso, a empresa não pode mais ser remunerada de acordo com os passageiros que andem em suas linhas. Toda a arrecadação deve ir para a Prefeitura, através de um fundo municipal que poderá funcionar tanto como câmara de compensação, visando garantir a efetividade de linhas deficitárias, quanto como gerenciador do sistema de bilhetagem eletrônica. A empresa deve ser encarada como uma prestadora de serviços e, portanto, receber de acordo com o serviço prestado (através de remuneração por quilômetro rodado ou por lugares disponibilizados). Urge a necessidade de formulação da distribuição das linhas. Essas devem ser reorganizadas em um sistema tronco-alimentador. Assim, ônibus com grandes capacidades devem cobrir grandes distâncias em vias segregadas parando em poucas estações. Enquanto, veículos de menores capacidades devem percorrer o interior dos bairros para levar a população às estações de transporte de alta capacidade. Todo e qualquer sistema que obrigue o motorista a acumular a função de cobrador deve ser abolido. Muito ao contrário, veículos de baixa capacidade (como vans) podem ser incorporados ao sistema legal de transportes cumprindo, preferencialmente, a função de alimentação de corredores de transportes a partir de lugares menos acessíveis. Em paralelo às medidas de melhoria dos transportes públicos, deve haver a execução de políticas que inibam o uso do automóvel particular. A intensidade ou velocidade de implementação dessas medidas deverão ser analisadas em prazos mais longos, mas, certamente, serão necessárias para transferir usuários de automóveis para o sistema de transportes públicos. A seguir estão listadas algumas possíveis medidas que podem ser aplicadas de forma gradual: redução das vagas no Centro (no lugar de estacionamentos do centro deveriam ser construídos prédios residenciais); elevação de taxas sobre vagas no Centro; diminuição, ou até a extinção, da exigência de vagas de garagem para prédios residenciais; controle mais rígido do estacionamento irregular em vias públicas; estímulo ao transporte solidário, entre outros. A defesa das atuais gratuidades nos transportes públicos deve ser uma bandeira do PSOL. Ainda mais se considerarmos que se trata de uma importante bandeira dos movimentos sociais. O passe-livre não pode ser encarado como um privilégio. A gratuidade para pessoas com mais de 65 anos é um direito constitucional. A gratuidade para estudantes e portadores de doenças crônicas é necessária para a efetivação de políticas de educação e saúde. E deve-se ir além: os direitos de gratuidades para universitários de baixa renda e para desempregados à procura de emprego devem existir como meio de se garantir democracia na educação e auxílio na formação de emprego e renda, respectivamente. O incentivo ao uso de transportes não-motorizados, como as bicicletas, deve ocorrer. Mas isso só terá verdadeiro impacto na matriz de transportes se for entendido qual a função que esse modal deve cumprir. A melhor forma de incorporarmos as bicicletas ao sistema de transportes é construindo ciclovias nos subúrbios, tendo as estações ônibus como centro radiador. Nessas estações devem ser construídas garagens para as bicicletas serem guardadas, e devem ser gratuitas para os usuários do sistema metrô-ferroviário. Outra opção é a regulamentação e o estímulo para que pequenos comerciantes disponibilizem espaços seguros para estacionamento de bicicletas, com tarifas integradas ao sistema de transporte público. Considerações Finais Esta contribuição apresentou, mesmo que de forma não aprofundada, alguns pontos para um diagnostico sobre os transportes em Petrópolis. Por certo, a aplicação de algumas dessas medidas, ou a simples propaganda de tais idéias, pode gerar reações negativas, tanto dos empresários de ônibus, como de usuários de automóveis resistentes a mudanças. Mas também é certo que saberemos vencer essas dificuldades e conseguiremos, junto com o povo e os movimentos sociais, democratizar os transportes e a cidade de Petrópolis. Espera-se, assim, a abertura de um diálogo mais amplo sobre a questão dos transportes públicos e sua incorporação na pauta de luta de todos os movimentos sociais urbanos. Eduardo Andrade é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-UFRJ e mestre em Engenharia de Transportes pela COPPE-UFRJ. Jorge Borges é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, graduado em Geografia pela UFRJ, especialista em planejamento e uso do solo urbano pelo IPPUR/UFRJ e mestrando em Geografia pela UFF. Ambos são militantes do Núcleo de Lutas e Reforma Urbana (www.psolurbano.blogspot.com) e assessores do Vereador Eliomar Coelho (PSOL-RJ). |
*Texto com modificações feitas pelo PSOL-Núcleo Petrópolis.
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